terça-feira, 22 de março de 2011

Mãe Stella de Oxóssi - um exemplo a ser seguido

Há 35 anos à frente do terreiro Ilê Axé Opó Ofonjá, ela ajudou a disseminar a cultura do candomblé

“Prudente, forte, flexível e intransigente, capaz e firme, sentada no trono que já lhe era devido por destino e por escolha.” Foi assim que o escritor Jorge Amado descreveu Mãe Stella de Oxóssi no livro ‘Bahia de Todos os Santos’ (1945).

Nascida em 1925 e enfermeira por formação, Maria Stella de Azevedo Santos, a Mãe Stella, foi escolhida ialorixá – mãe do orixá – do centenário terreiro Ilê Axé Opó Afonjá, localizado em São Gonçalo do Retiro, em 1976. Seguindo os passos das antecessoras, Mãe Stella desempenha uma liderança importante dentro do candomblé, e teve destaque com a oposição firme ao sincretismo religioso. “Ela combate a subordinação do candomblé a uma outra religião. Essa questão que ela colocou é muito séria porque envolve o combate ao preconceito”, explica o antropólogo Ordep Serra. A ialorixá dedica-se também às questões sociais e mantém no terreiro uma escola para crianças, que leva o nome da fundadora do Opó Afonjá, Eugênia Ana dos Santos – Mãe Aninha. Ela também é responsável pela criação, em 1980, do primeiro museu de um terreiro de candomblé, o Ohum Lailai, e é admirada pela inteligência, que foi eternizada em cinco livros publicados.

Assumindo o terreiro

Mãe Stella é a quinta ialorixá do terreiro Ilê Axê Opó Afonjá, criado em 1910 por Mãe Aninha. Com a morte da antecessora, Mãe Ondina, ela teve que assumir a missão, e há 35 anos comanda o terreiro que é considerado patrimônio nacional pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan). “Ela é uma das lideranças mais respeitadas do candomblé e uma ialorixá de uma das casas mais tradicionais da Bahia. Ela seguiu a tradição da fundadora Mãe Aninha, e à frente do Afonjá tem feito um trabalho magnífico. Destaca-se não só como sacerdotisa, mas como intelectual e líder popular”, afirma o antropólogo  Ordep Serra. 

Mas Mãe Stella é simplória ao falar de si: “Sou responsável pelo Afonjá e tenho obrigação de trabalhar em prol da moral, dos bons costumes e das boas ações”, declarou em entrevista à Metrópole TV, em março de 2010.

Oposição ao sincretismo

A liderança religiosa de Mãe Stella marcou para sempre a história do candomblé. Com oposição ferrenha ao sincretismo religioso, em 1983 a ialorixá apresentou na II Conferência Mundial da Tradição dos Orixás e Cultura, em Salvador, um manifesto contra a associação dos orixás aos símbolos da Igreja Católica.

Nessa luta, Mãe Stella teve o apoio de Mãe Menininha, Olga do Alaketu e Doné Ruinhó. “A importância de mãe Stella para o candomblé é decisiva quando ela diz que os nossos orixás bastam. Ela diz que não precisamos nos esconder atrás dos santos católicos. Mas o que também ela deixa claro é o respeito à religião católica e às outras religiões”, explica a historiadora e filha de santo de Mãe Stella, Vanda Machado.

‘Não temos tempo de prestar atenção aos opressores’

Apesar de deixar claro o respeito às outras religiões, Mãe Stella ainda enfrenta muito preconceito à frente do Opó Afonjá. Em novembro de 2009, invadiram o quarto de Oxalá, dentro do terreiro, e destruíram as instalações. Já em janeiro de 2010, o vandalismo ocorreu no quarto de Oxum, em um sábado, dia em que ela é celebrada. 

Em entrevista à Metrópole TV,em março de 2010, Mãe Stella disse que não se preocupava com o preconceito que a religião ainda sofre. “A discriminação existiu e ainda existe, e aí a resistência do candomblé e o povo do axé supera essas coisas todas. Nós não temos muito tempo para prestar atenção nos opressores e perseguidores.  Nós estamos trabalhando por uma causa que é a religião”, argumentou.

E Mãe Stella faz história mais uma vez...

O dia 02 de março de 2011 ficará marcado para sempre na História de Mãe Stella, do Candomblé e do Jornal A TARDE,  nas páginas de Opinião, a cada 15 dias, sempre às quartas-feiras, será publicado um artigo assinado pela ialorixá do Ilê Axé OpÔ Afonjá, Mãe Stella de Oxóssi.
É a primeira vez, desde a fundação de A TARDE em 1912, que uma ocupante do mais alto posto da hierarquia do candomblé se torna articulista de forma regular no periódico.

Publicações e reconhecimento

Além dos cinco livros que publicou, Mãe Stella foi homenageada diversas vezes pelo trabalho religioso. Em 2001, ela recebeu o prêmio jornalístico Estadão na condição de fomentadora de cultura; quando completou 70 anos de iniciação no candomblé, em 2009, foi homenageada com o título de Doutor Honoris Causa da Universidade Federal da Bahia; e em 2010, a Câmara Municipal e Assembleia Legislativa, através do deputado estadual Bira Corôa (PT), adepto da religião, referenciaram o centenário do terreiro. “Ela representa um símbolo da resistência da mulher baiana e negra. É a representação de uma história viva de 100 anos de organização e afirmação de um templo religioso”, diz o parlamentar. A ialorixá recebeu ainda a comenda Maria Quitéria da Prefeitura de Salvador, e do governo da Bahia a Ordem do Cavaleiro.


Mãe Stella de Oxóssi, exemplo de mulher, de mãe, de asé, de brasileira...


“Brasil com Artes” mostra cultura africana na Biblioteca Pública da Bahia


 Exposição, valoriza a influência africana na Bahia

A exposição ‘Ori Orixá’ está aberta à visitação pública, desta segunda-feira (14) até 31 de março, das 8h30 às 21h, no foyer da Biblioteca Pública do Estado da Bahia (BPEB), nos Barris.
 
Realizada pelo Governo da Bahia, por meio da Fundação Pedro Calmon, unidade da Secretaria de Cultura (Secult), a mostra integra a programação dos 200 anos da Biblioteca e também faz parte do projeto ‘Brasil com Artes’, idealizado pelo artista plástico Rodrigo Siqueira e o antropólogo Vilson Caetano de Sousa Junior.
 
A mostra reúne 18 peças feitas com as técnicas mistas mais avançadas de escultura. As obras foram produzidas a partir de pesquisas etnoantropológicas de culturas africanas representadas pela cabeça, chamada de ‘Ori’ por algumas civilizações, para as quais elas simbolizam o universo.
 
De acordo com o artista plástico Rodrigo Siqueira, o objetivo do projeto é valorizar as matrizes, formadoras da cultura brasileira, expressas por meio de várias manifestações artísticas. Segundo ele, ‘Brasil com Artes’ é “uma inovadora proposta de valorização do belo a partir do reconhecimento da importância de novas leituras sobre as artes brasileiras, baseadas no diálogo e respeito aos diversos saberes manifestos nas múltiplas vozes, que compõem a complexa teia formadora das culturas no nosso País”.



Natural do Amazonas, Rodrigo Siqueira é artista plástico, figurinista, cenógrafo, carnavalesco e designer.

Exposição
Local: Biblioteca Pública do Estado da Bahia 
Data: de 14 a 31 de março, das 08h30 às 21h.
Gratuito



quarta-feira, 9 de março de 2011

Jardim das Folhas Sagradas - Kosí Ewê Kosí Orisá




Jardim das Folhas Sagradas, um filme brasileiro que retrata a vida e a espiritualidade e os conflitos pelos quais passa um herdeiro de asé. Jardim das Folhas Sagradas oferece o debate sobre bissexualidade, intolerância religiosa e preconceitos étnicos, ao mesmo tempo em que expõe nuances do Candomblé e discute a degradação das áreas verdes nas cidades vitimadas pela especulação imobiliária.

É o resultado de um amplo projeto de pesquisa a respeito da religião afro-brasileira, aborda assuntos expostos desde em O Amuleto de Ogum e Tenda dos Milagres (ambos de Nelson Pereira dos Santos) ao filme Barravento, de Glauber Rocha.

Jardim das Folhas Sagradas traz no elenco excelentes atores baianos, desde o conhecido João Miguel(Estômago (2007) e Melhor Ator no Festival do Rio 2005 por Cinema, Aspirinas e Urubus (2005)), aos estreantes no cinema nacional, mas de longa carreira no teatro baiano, a exemplo de Antônio Godi - que encarna o protagonista da trama -, Evelin Buccheger, Sérgio Guedes e atores do Bando de Teatro Olodum.

A surpresa fica por conta da participação especial da cantora Mariene de Castro, debutando enquanto atriz. Além de ter um ator negro enquanto protagonista, Jardim surpreende por abordar um negro como um profissional bem sucedido. O ator Antônio Godi vive o bancário Bonfim, casado com Ângela (Evelin Buchegger) - uma mulher branca e de crença evangélica. Bonfim conserva uma relação homossexual com Castro (João Miguel), mas depois de um acontecimento trágico, bombardeado por sonhos místicos e com a vida de cabeça pra baixo, resolve cumprir uma missão recebida no Candomblé: fundar o terreiro Kosí Euê Kosí Orixá, que em Iorubá significa “sem folha não há orixá”.

O local é afastado da cidade e preserva o contato entre natureza e religião. Porém essa segmentação ecológica enfrenta resistência de setores do próprio Candomblé, já que a maioria das sessões é realizada com o sacrifício de animais, aspecto determinante para que o terreiro permaneça protegido pelos orixás, e cuja desobediência pode trazer consequências funestas. Uma tradição que o moderno terreiro de Bonfim também pretende enfrentar.

Por meio de diversos conflitos, Bonfim experimentará o sabor do amor e do desprezo, da amizade e da traição, compartilhando o aprendizado da força e sabedoria ancestrais do Candomblé para a superação dos obstáculos, numa Salvador marcada pela expansão e especulação imobiliárias.

Jardim das Folhas Sagradas é o primeiro longa-metragem da carreira de Pola Ribeiro, baiano de 55 anos que sempre atuou nas artes visuais. Nele, a discussão social abordada, segundo o diretor de cinema Bernard Attal, “é comum ao negro de Salvador e de Paris”. O filme teve premiére nacional durante o Festival do Rio 2010 e estreia comercial prevista para maio de 2011 em Salvador e Luanda (Angola) simultaneamente.


Jardim das Folhas Sagradas foi selecionado para participar do FESPACO o maior festival de cinema do continente africano, que acontecerá de 26 de fevereiro a 05 de março, na cidade Ouagadougou em Burkina Faso no oeste da África. Jardim das Folhas Sagradas participa da Mostra Competitiva de Filmes da Diáspora.